Eu percebo que as pessoas não concordem ou até se sintam ofendidas com algumas frases de alguns autores, com alguns textos, com alguns livros. Daí a proibi-los, ameaçar quem os escreve, criar ondas de protesto e indignação para apagá-los do mapa (veja-se o que aconteceu ao Henrique Raposo), parece-me exagerado. Assusta-me a ditadura do politicamente correcto. Em Portugal temos (ainda) liberdade suficiente para discordarmos uns dos outros. E, no que a mim diz respeito, lutarei sempre por esta liberdade dos outros dizerem e escreverem coisas que eu não concordo.
Em jeito de conclusão, deixo-vos um dos nossos textos favoritos da Luísa Ducla Soares. Sem polémicas:
Numa noite escura, escura,
o sol brilhava no céu.
Subi pela rua abaixo,
vestido de corpo ao léu.
Fui cair dentro de um poço
mais alto que a chaminé,
vi peixes a beber pão,
rãs a comerem café.
Construí a minha casa
com o telhado no chão
e a porta bem no cimo
para lá entrar de avião.
Na escola daquela terra
ensinavam trinta burros.
O professor aprendia
a dar coices e dar zurros.
[fonte: wook.pt]
O mal não está nos livros mas sim na falta de capacidade dos pais para explicar aos filhos a mensagem ou o significado da frase, não esquecendo tb que a maldade está nos adultos e não nas crianças. A Luisa é uma excelente escritora, tem uma escrita caricata e ao menos é uma lufada de ar fresco no meio de tantos livros infantis todos iguais
ResponderEliminarJoão, acho que ninguém quer proibir a Luísa Ducla Soares de publicar livros, nem persegui-la, nem apagá-la do mapa. Só se argumenta que um livro onde se lê "a Helena, é preta, diz que é morena" não devia estar no Plano Nacional de Leitura. E acho que com toda a razão.
ResponderEliminarNão há nenhuma ditadura do politicamente correcto. Há pessoas, minorias, que crescem e vivem constantemente a ser agredidas (com expressões como "pretos", ou pior), e que quando erguem a voz contra essas agressões têm de levar com alguém como nós (pessoas que nunca foram discriminadas pela cor da pele na vida) a explicar-lhes: "epá 'preto' não é racista, tem lá calma". Mas é, e não somos nós que temos legitimidade para dizer que não. Tudo bem que se discutam as coisas e não se tornem as escolas locais assépticos, mas este livro não serve para nada disso. A cultura dominante é esta, isso é que é uma forma de ditadura.
Não te incluo nesse grupo, mas sempre que alguém ergue a bandeira contra a "ditadura do politicamente correcto" vejo um grupo de pessoas lá atrás a pensar "epa, então agora já não posso dizer coisas racistas que ficam todos muito ofendidinhos".
O caso do Henrique Raposo é diferente, e aí completamente de acordo.
André, obrigado pelo comentário (long time, no read). Dar-te-ia razão, caso se tratasse de racismo ensinado às crianças. Mas não é. O João Pedro Marques responde a isso no DN: 《não foram apenas essas duas frases que indignaram a mãe de Matilde. Num outro poema, também de Luísa Ducla Soares, "C é a Camila, com corpinho de gorila"; "G é o Gonçalo, já hoje levou um estalo"; "I é a Inês, a dar beijos num chinês"; e "X é o Xavier, usa roupas de mulher". A autora dos poemas explica que aqueles abecedários em verso são brincadeiras com as palavras e que se destinam a atrair os pequenos leitores através do humor e do nonsense. Acrescenta que nunca foi racista na sua vida e mostra-se muito perplexa com o incómodo que os seus poemas causaram. Nada disso, porém, demove a mãe de Matilde, que exige que aqueles abecedários sejam proibidos nas salas de aula por não serem "leituras recomendáveis para crianças". Acha que "G é o Gonçalo, já hoje levou um estalo" é um incentivo à agressão e que os pequenos Gonçalos que existem nas nossas escolas poderão passar a ser gozados quando esse poema for lido. Também receia que os meninos chineses se sintam discriminados quando ouvirem dizer que "I é da Inês, a dar beijos num chinês", ou que as Saras fiquem envergonhadas quando se ler "S é de Sara, ela tem dez borbulhas na cara". Em suma, a mãe de Matilde considera que aqueles poemas promovem o racismo, o bullying, a homofobia, o body shaming e outros crimes.》
EliminarEsta mãe vê isto tudo como ameaças, eu vejo como oportunidades de falar com os miúdos de temas incómodos.
Não percebo bem argumento. Uma miúda negra não precisa de um poema com um termo racista para falar de temas incómodos, ela cresce e vive com eles. Do que ele não precisa é de levar com um poema que é apresentado (até pela autora...) como inócuo, e que tenta "humorizar" a questão num ambiente escolar.
EliminarSe a professora quer falar de racismo na sala, não precisa de dar como exemplo uma autora que acha que "preto" não é racista porque na cabeça dela "é só para rimar". Achas mesmo que este poema é um bom ponto de partida para discutir racismo e discriminação com crianças de 7 anos? Achas que tem sido assim que ele tem sido "ensinado" nas salas de aulas? Como um exemplo do racismo culturalmente enraizado que existe na sociedade portuguesa e que leva a uma escritora a não perceber que está a utilizar um termo ofensivo? Tenho muitas dúvidas, e infelizmente não podemos "resolver" a questão com o "eu faço assim em casa, portanto tudo bem" (mas era bom :)
Quanto às outras interpretações, são discutíveis, mas não percebo que mude em nada aquilo o ponto de partida da questão, mesmo que não seja ensinar racismo a crianças (pelo menos directamente) é a utilização de um termo racista num contexto que não é apropriado, menorizando-o e branqueando-o.
André, a questão é que o poema já existia antes de haver plano nacional de leitura. Este e outros poemas do livro são muito giros e divertidos de se lerem. Se há referências racistas (eu diria questionáveis, mas não sou expert) ou o (ainda mais rebuscado) incentivo ao bullying, não me parece suficientemente grave para retirá-lo das salas de aula. Retirá-lo porque é tecnicamente imperfeito, porque está mal escrito, porque não está ao alcance de uma criança de 7 anos, etc., não estaria em desacordo. As razões apresentadas não me convencem. Mas tudo bem. Saúdo a possibilidade de discordarmos disto tudo. O post original é sobre isso.
EliminarDe acordo, embora no desacordo. =)
Eliminarhttps://giphy.com/gifs/3osxY7d5us1hA0DJlK/html5
Bom fim-de-semana!
Só se eu fôr o Hulk Hogan :D
EliminarJá não se pode atirar o pau o gato ... Eu que tenta vez ouvi e cantei essa lengalenga nunca na vida fiz mal a nenhum animal (alem dos que como). Bem vindos ao mundo assético em que alguns pais cismam em criar os seus filhos.
ResponderEliminarRelativamente ao termo "preta" a unica coisa que o meu filho de 4 anos me disse quando li foi " Mamã diz-se de cor e não preta".
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