Cólicas do lactente: sinal precoce de enxaqueca?

Desde o início deste blogue que tenho fugido ao tema das cólicas do lactente. A principal razão é elas não terem uma causa completamente esclarecida. Há quem diga que o desconforto abdominal se deve a uma intolerância (ainda que temporária) às proteínas do leite de vaca ou à lactose presente em alguns leites adaptados ('leite de farmácia'). Por outro lado, não está provado que os bebés que bebem leite materno tenham menos cólicas que os bebés alimentados com leite adaptado. Apontam-se muitas outras causas possíveis: sistema nervoso imaturo e hipersensível a alguns estímulos, refluxo gastro-esofágico (comum nos primeiros 6 meses de vida), espasmos do sistema digestivo em crescimento, acumulação de gases, circulação de hormonas (o que explicariam alterações do humor do bebé a certas horas do dia), etc. Tantas teorias diferentes podem sugerir que não existe uma causa única para as cólicas, mas provam antes de mais que sabemos muito pouco sobre as ditas. E é por isso que não temos uma fórmula milagrosa para as tratar.

Para desespero dos pais, que vão tentando tudo... Será do leite? Começam um suplemento e depois mudam de fórmula para uma hipoalergénea ou para uma anti-cólicas, alguns acabam no soja. Será refluxo? Toca a elevar a cabeceira, muda novamente a fórmula. Serão gases? Troca o biberão, junta uns pró-bióticos para ajudar a digestão, estimulação rectal para ver se saem uns 'punzinhos'. E andam nisto até aos 4 meses, altura em que a maioria das cólicas passam... espontaneamente.

Ultimamente, têm surgido alguns estudos que apontam para as cólicas do lactente como um sinal precoce de enxaqueca. O Medscape tem uma reportagem interessante sobre isto, a propósito de uma conferência da Dra. Amy Gelfand, uma neuropediatra que se tem dedicado a este tema. Um estudo seu de 2012, baseia-se em 154 entrevistas para conlcuir que Mães com história de enxaquecas têm 2,6 maior risco de gerar um bebé que sofresse de cólicas. Sabido que a enxaqueca tem uma forte penetração familiar, a autora achou que esta cólica não seria mais do que uma forma de enxaqueca manifestada pelo choro do bebé. Por isso, fez uma meta-análise (basicamente, pegar em vários estudos sobre o mesmo tema e trabalhar com números maiores) e concluiu que crianças e adolescentes com enxaqueca teriam entre 3,6 e 6,5 vezes maior risco de terem sido bebés com cólicas. Isto aponta novos caminhos na compreensão da causa (e eventual tratamento) para as cólicas do lactente.

[fonte: thewellnessdirectory.co.nz]

À falta de melhor conhecimento científico, o tratamento das cólicas do lactente manter-se-á um tratamento muito personalizado, avaliado caso a caso pelo médico ou pediatra assistente. Pode realmente ser necessário mudar o horário da amamentação, ou trocar de leite, ou juntar algum próbiótico, ou acrescentar algum truque que o médico do seu filho tenha na manga (podem ler aqui alguns desses truques). Não procure na Internet uma solução milagrosa (muito menos neste blogue). De qualquer forma aliviar a dor está ao alcance de qualquer um:
[fonte: www.sciencenews.org]

Acabo este texto com dois conselhos para os pais de um bebé com cólicas. 1. Mantenham sempre presente que é uma situação que vai passar por ela. Por mais desesperante que seja, o choro vai passar. Não acabaram de gerar um ser possuído por um qualquer demónio (embora para já pareça). As cólicas vão passar pode ser aos 2-3-4-5 meses. Mas vão passar!

2. Revezem-se. Quantas vezes na urgência me apareceram dois pais com olheiras 'até ao chão' desesperados com o choro do petiz. Choro esse que na maior parte das vezes tinha passado, embalados com a viagem de carro. O sono em excesso leva-nos a discussões, a berros e, sobretudo, a más decisões. Não adianta estarem dois a tentar consolar uma criança aos berros. O melhor é um ficar com o bebé (eventualmente até sair de casa com ele), enquanto o outro descansa. Assim, quando um estiver exausto, trocam posições. Haverá sempre alguém com lucidez suficiente para gerir a crise.

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