O que somos na linha (I)

Um dos temas recorrentes nas discussões sobre a adolescência é a Internet, em particular a relação dos adolescentes com as redes sociais. Neste tema, os pais são tão ou mais inocentes que os filhos. Ou, melhor dizendo, pais e filhos encaram diferentes tipos de perigos e comportam-se e forma diversa. Este post é dirigido aos pais. Como é que nós adultos nos comportamos online? Acho que qualquer reflexão sobre o comportamento dos outros (no caso os adolescentes) deve começar com uma auto-avaliação. Teremos tempo para falar dos adoloescentes noutra altura.

Confesso-me um verdadeiro fã das redes sociais. Agrada-me a ideia de comunicar à distância com milhares de pessoas - umas muito próximas (física e sentimentalmente), outras completamente desconhecidas (física e sentimentalmente, mais uma vez), outras assim-assim. Para mim, o ser humano é um ser eminentemente social e a evolução das redes sociais (desde os chats ao facebook, passando pelos blogues, fóruns, etc.) eleva esta nossa característica ao extremo. Tenho conhecido, graças ao facebook e ao blogue, pessoas fabulosas, com vidas muito diferentes e opiniões distintas. Talvez pelos acontecimentos das últimas semanas, emociono-me muito com as histórias que muitos me deixam nas caixas de comentários. Isto enriquece-me todos os dias.

Mas há uma outra face das redes sociais que me assusta. Não me refiro à cobardia de milhares de anónimos que comentam em blogues, jornais e todo o tipo de fóruns, insultando os autores dos textos ou os visados pelos mesmos. Um dia alguém chamou às caixas de comentários a 'sub-cave da blogosfera'. Acho que encaixa na perfeição. Por essas e por outras, optei por moderar os comentários que cá deixam, para manter limpa e arrumada, para quem me visita. Assustam-me mais as pessoas que se exaltam fora do anonimato. Algumas excedem-se claramente nos comentários abusivos, no palavreado que usam, nas insunuações que fazem de pessoas que mal conhecem. E fazem-no de cara à mostra no facebook, reencaminhando mensagem de e-mail ou assinando com nome próprio por esses fóruns fora.  

O caso da Pépa foi paradigmático. Eu não sigo blogues fashionistas. Não conhecia o blogue da Pépa Xavier, da mesma forma que, ainda hoje, não conheço a própria. Vi o controverso vídeo e, como muitos, não gostei. Daí a subscrever uma página hostil contra a Pépa, julgá-la pelos seus desejos fúteis, pela sua forma de falar e um sem número de picuinhices que se arranjaram para gozar a rapariga vai uma grande distância. O que pensamos conhecer de uma pessoa online é uma ilusão. O que um autor de um blogue dá a conhecer da sua vida não é toda a sua vida. Eu sou mais do que o pai, marido, cirurgião pediátrico que aparece aqui. Aliás, eu sou muitas outras coisas para além de pai, marido e cirurgião pediátrico. Pegando novamente no exemplo da Pépa, o vídeo que deu origem à onda de indignação foi cortado e editado. Não passou pela cabeça dos indignados que pudessem ter cortado frases bonitas, inspiradoras, eventualmente menos fúteis? Não sei se foi esse o caso nem interessa para aqui. O ponto é que vi muito boa gente a ir na onda de denegrir uma criatura de Deus que não lhes fez mal algum, sem pararem para pensar nas consequências dos seus actos. Passou-lhes pela cabeça o terror que fizeram passar a uma rapariga de vinte e poucos anos? 

Voltando outra vez ao geral, acho que passamos muito tempo em frente ao monitor. Vamos clicando aqui e ali, subscrevendo causas, gostando de páginas, escrevendo comentários, publicando textos, e esquecemo-nos que é de pessoas que estamos a falar. A sociedade imediatista dá-nos muita informação superficial, muito rapidamente e leva-nos a ter opinião sobre tudo (geralmente a mais fácil e politicamente correcta). Paramos pouco para pensar. Isto é especialmente evidente nas redes sociais.

Tal como nas conversas, sejam elas privadas ou públicas, eu tenho como princípio escrever apenas aquilo que teria coragem para dizer cara-a-cara. Sem ter que me esconder debaixo da mesa. Parece-me um bom princípio de socialização, mesmo online.

[fonte: sharetv.org]

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