E agora?

Há pouco mais de 2 anos, realizou-se o Primeiro Encontro de Bebés Dadores do Centro de Histocompatibilidade do Norte. O  primeiro e único banco público de células do cordão umbilical, que alguns conhecerão por Lusocord, fazia um ano de existência e foram chamados aos festejos todas as crianças que tinham colaborado com as suas células do cordão umbilical para este banco público de células. O JM foi um dos primeiros, porque nasceu em Janeiro.

Porque é que optámos pelo banco público e não por um privado? No banco público, as células não ficam guardadas para o nosso filhote. Podem ter outros destinos como investigação científica e tratamento de outros doentes compatíveis, pois integram uma base de dados europeia. Nos bancos privados, as células estaminais ficam reservadas para quem as deu, mas: (1) não existe nenhuma garantia que a amostra recolhida na maternidade é viável; (2) não há estudos suficientes que garantam que as células estarão em condições de ser usadas, quando as descongelarmos passados anos (até 20 anos, em alguns contratos); (3) as doenças da infância que potencialmente beneficiam do tratamento com estas células são raras; (4) mesmo nestas doenças, as células estaminais não são a primeira linha de tratamento, mas sim tratamentos de último recurso e experimentais. Pesando os factores, a probabilidade de o nosso filho  beneficiar deste investimento é ínfimo. Eu diria que é muito menor do que se todos os europeus disponibilizassem as células estaminais à comunidade. Foi nesta base que, em 2010, optámos por entregar as células estaminais do JM à Lusocord.

[fonte: arsalgarve.min-saude.pt]

Em Setembro de 2012 fiquei fulo com a notícias que davam conta do encerramento do Lusocord. Segundo as informações prestadas pelo responsável do próprio centro, haveria graves problemas técnicos na recolha e armazenamento das amostras. No final desse mesmo mês, é escrito um relatório da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), onde se faz uma resenha história da preservação de células estaminais em Portugal, mas o facto é omitido.  Mais, a dada altura lê-se que «as amostras conservadas pelo “banco” público têm uma probabilidade extraordinariamente superior de virem a ser utilizadas, mas também porque são de qualidade superior (em relação aos bancos privados)». Ainda segundo o CNECV, nos países em que a existência dos bancos públicos antecedem os privados (o que não é o caso português), «não se vislumbram quaisquer benefícios sociais em poder dispor de “bancos” privados.» Claramente, são conclusões que têm por base países evoluídos. E fico-me por aqui.

O relatório do CNECV é extenso, mas vale a leitura, porque a componente científica é muito completa. Por exemplo, «São (...) escassos os casos reportados em revistas internacionais de transplante autólogo (do próprio) de sangue do cordão para tratar doenças hematológicas (Rosenthal et al., 2011). Apesar de largamente publicitadas pelos bancos privados, as suas indicações são muito limitadas e contraditórias, e o controle de qualidade e o processo de consentimento informado são largamente desconhecidos. Para alguns, na ausência de qualquer evidência publicada que apoie o armazenamento para transplantes autólogos ou familiares, os serviços privados de armazenamento de sangue do cordão são, no mínimo, um serviço supérfluo e redundante (Sullivan, 2008).»

Aliás, em relação às empresas gestoras dos bancos privados, o relatório do CNECV é demolidor. Eu diria que os equipara a 'vendedores da banha da cobra'. Não conheço a informação prestada por estas empresas. Porque fui 'beber directamente à fonte', aos artigos científicos, nunca me dei a esse trabalho. Se a informação é falsa, caberá às entidades competentes multar os prevaricadores. Seja como for, os pais devem recolher o máximo de informação possível, para tomar a decisão livremente. Como é óbvio, não devem ouvir apenas quem lhes quer vender o serviço.

[fonte: tvi24.iol.pt]

O parecer do CNECV sobre o assunto apenas foi tornado público no dia 20 de Dezembro. De entre as recomendações lê-se que se deve «estabelecer uma rotina de colheita do sangue e tecido do cordão umbilical e placenta em todas as grávidas, para um banco público». Curiosamente, dias antes, o Lusocord, o primeiro e único banco público de células do cordão umbilical, fora reactivado.  Apesar do que aconteceu no passado, e de muitas amostras terem sido desaproveitadas, continuo a achar que um banco público faz sentido. Telefonei e confirmaram-me que «sim, está reactivado», mas apenas fazem recolhas em parturientes do Hospital de São João. 

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